Tuesday, January 20, 2009

espera


Fernando Botero, Mulher com um livro 1987

Ela gostava de escrever. E o que gostava mais era de escrever num caderno de folhas lisas e amareladas. A lápis. Não para poder apagar, porque nunca apagava o que escrevia, mas porque o som do lápis no papel lhe dava um prazer especial. Não escrevia com muito cuidado, nem se preocupava em usar palavras muito bonitas, nem figuras de estilo. Escrevia o que sentia e isso fazia com que se sentisse muito bem. Liberta. Para ela, responder-lhe era imperioso. Porque um homem que faz uma mulher sentir-se bem consigo própria, merece que ela lhe dedique o seu tempo. E mais do que tempo, merece que ela se lhe dedique.
E foi o que fez. Com o caderno e o lápis na mão, começou a dizer o que sentia. E foi-lhe dizendo como ele lhe fazia bem, como a fazia ter vontade de tantas coisas que ela julgava adormecidas. Escreveu como gostava de tudo o que ele lhe dizia, como se sentia bem com as palavras que dele recebia. Falou-lhe da vontade que tinha de passear com ele à beira-mar, em dias em que o céu se veste de tons de cinzento, o Sol se envergonha e a chuva inunda a areia de cheiros intensos. E das mãos dele, ansiadas nas suas, do toque da pele, do cheiro da pele, do gosto da pele. E dos olhos, do sorriso e dos espelhos que nele via. E disse-lhe dos desejos, dos sonhos, dos momentos em que, quieta, calada, em sossego, pensava nele. Falou-lhe do tempo e de todas as horas, da ternura de que tanto gostava, dos encantos da placidez dos fins de tarde, que nem queria querer tanto que passassem juntos. E dos primeiros raios de Sol da manhã, que imaginava a cobri-lo, a rodeá-lo, a abraçá-lo, junto com os braços dela. E dos beijos, de que adivinhava gostar, das carícias, dos mimos, dos segredos que queria trocar. Confessou-lhe o fogo que a consumia, o desejo que nela ardia.
Escreveu tudo o que lhe foi passando pela cabeça, sem medos, sem esforço, com tudo dela ali escrito, toda ela ali…
E deitou-se, repousando, à espera.

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